Organização Social e Espiritualidade
A organização social dos Guarani é profundamente enraizada em princípios coletivos e espirituais. Divididos em três subgrupos — Mbya, Kaiowá e Ñandeva — os Guarani compartilham um modo de vida que gira em torno do coletivo e da relação com o sagrado. A figura do cacique (líder político) e do xamã (líder espiritual, conhecido como karaí ou pajé) é central nas comunidades, exercendo influência sobre decisões importantes e guiando os rituais religiosos. A espiritualidade Guarani está baseada na crença em Nhanderu Tenonde, o “nosso primeiro pai”, criador do universo, e em outros seres sagrados que habitam o cosmos e a natureza. O mundo espiritual está profundamente entrelaçado com o mundo material, e tudo na natureza — plantas, rios, animais — possui um espírito e deve ser respeitado. A busca constante por um estado de equilíbrio e harmonia com o universo, conhecida como “nhandereko” (modo de ser Guarani), orienta todas as práticas diárias, da agricultura aos rituais.
Opy: A Casa de Reza
A Opy, ou casa de reza, é um dos espaços mais sagrados para o povo Guarani. Localizada no centro da aldeia, simboliza o coração espiritual da comunidade. Construída com técnicas tradicionais como pau a pique, cobertura de sapê ou telha de barro, a opy é simples em estrutura, mas profundamente significativa em simbolismo. É dentro da opy que acontecem os rituais religiosos mais importantes: cerimônias de batismo, curas espirituais, cantos sagrados e danças cerimoniais. O ambiente é propício para a escuta dos ensinamentos do karaí, a introspecção espiritual e o fortalecimento da identidade Guarani. Tradicionalmente voltada para o leste — de onde nasce o sol — a opy representa também o renascimento e a ligação com os ancestrais.
Nhandereko: O Modo de Vida Guarani
Nhandereko significa literalmente “nosso modo de ser” e representa muito mais do que um estilo de vida — é a filosofia que guia a existência Guarani. Esse conceito abrange a convivência comunitária, o respeito às diferenças, a preservação do ambiente e a espiritualidade cotidiana. Viver segundo o nhandereko significa cultivar a simplicidade, a generosidade, o silêncio respeitoso e o diálogo constante com a natureza. Para os Guarani, a terra não é propriedade, mas mãe. Por isso, práticas como a agricultura são feitas com respeito aos ciclos naturais, sem o uso de venenos e com base na rotação de cultivos. A floresta é uma farmácia viva, uma escola e um templo. Nhandereko é um convite à reconexão com o essencial — uma sabedoria ancestral que ressoa de forma atualíssima em tempos de crise ambiental e social.
Pintura Corporal e Arte
A pintura corporal Guarani é uma forma de linguagem visual carregada de significados espirituais, sociais e estéticos. As tintas são extraídas de elementos naturais, como o jenipapo (que produz uma tinta azulada) e o urucum (com tonalidade avermelhada). Os desenhos variam conforme o momento da vida, o tipo de celebração e o grupo de pertencimento. Além da pintura, os Guarani se destacam na produção de artesanatos refinados, como cestos de taquara, colares, arcos e flechas decorativos, flautas e esculturas em madeira. Essas expressões artísticas são passadas entre gerações como forma de educação e valorização da ancestralidade. Na Semana Cultural, essas obras ganham espaço de destaque e são compartilhadas com o público em oficinas e exposições.
Nhemongarai: O Ritual de Batismo
O Nhemongarai é um dos rituais mais importantes da tradição Guarani, simbolizando o batismo espiritual de crianças ou adultos. Nesse momento, é revelado o nome sagrado da pessoa — que não é apenas uma identificação, mas uma espécie de missão ou caminho espiritual. Esse nome é revelado por meio da escuta espiritual do karaí ou da mãe, em momentos de sonho, reza ou canto. Durante o ritual, alimentos como o milho (principal cultivo Guarani) e a erva-mate são abençoados e compartilhados. O Nhemongarai também marca a conexão da pessoa com os ancestrais e com o universo espiritual, reforçando sua identidade e papel dentro da comunidade. É uma cerimônia de acolhimento, força e comunhão, repleta de cantos e danças sagradas.
Mitos e Narrativas: Nhanderequeí
A tradição oral Guarani é rica em mitos e lendas que carregam ensinamentos sobre a origem do mundo, os seres da floresta e o comportamento humano. Entre as narrativas mais conhecidas está a de Nhanderequeí, o herói cultural que roubou o fogo dos urubus para entregá-lo à humanidade. O fogo, nesse contexto, simboliza o conhecimento, a civilização e a capacidade de transformação. Essas histórias são contadas pelos mais velhos nas rodas de conversa à noite, ao redor da fogueira, e fazem parte do processo educativo dos jovens. Mitos como o do Jasy Jatere (espírito encantado que guarda segredos da floresta) e de Tupa (o deus dos trovões) ajudam a manter viva a memória dos antepassados e a transmitir valores como respeito, coragem e sabedoria.
Música, Dança e Oralidade
A música Guarani é uma manifestação sagrada, inseparável da vida espiritual. Os cantos (chamados de "ayvu") são formas de comunicação com os espíritos e são entoados em língua nativa durante rituais, festas e encontros cerimoniais. A dança, por sua vez, não é apenas expressão artística — é oração em movimento. Instrumentos como flautas de bambu, tambores de madeira, maracás e arcos musicais acompanham os cantos e conduzem a energia dos rituais. Cada ritmo e melodia carrega uma intenção específica: cura, gratidão, purificação ou celebração. A oralidade também é uma marca forte: histórias, conhecimentos e conselhos são transmitidos sem a necessidade da escrita, valorizando a escuta atenta e o convívio próximo.